Atitudes florezinhas amarelas.


Neste fim de tarde estava tomando um cappuccino, perdido em devaneios ao olhar pela janela da cozinha a boniteza de um entardecer. Eis que voltando da “viagem” pouso meu pensar sobre o beiral daquela janela, cheio de vasinhos de velhas violetas, quase mortas. De uma delas, que teima em afirmar sua vida, emergem algumas florezinhas e botões amarelos. Ela é a única de um conjunto de cinco vasinhos, todos tratados com a mesma luz e água, e nas mesmas condições, que teima em florescer.

Pensei em cenas recém-vividas, com pessoas de atitudes-florezinhas-amarelas com as quais cruzei.

Atitudes generosas, mansas de coração, que nos valorizam, nos fazem sentir importantes, gratuitas e que fazem a diferença no nosso dia.
Estas atitudes brotam de pessoas que vivem em iguais condições de outras, de onde são mais raras.
Elas encantam o jardim de nosso viver.
Receber uma atitude-florzinha-amarela é tão bom.
Ficamos até sem jeito.
A vida anda tão bruta, que não esperamos mais reconhecimento em nada que fazemos.
E é o ciclo de Tanatos. Não recebemos, não aprendemos a doar.

Hoje pela manhã, fui procurado por um colega de trabalho. Ele precisava compartilhar a experiência que vivera, nos últimos 15 dias. Falou com olhinhos de atitudes-florezinhas-amarelas o que fizera. Da parte da parentada de sua mãe, restou um tio vivo. Um tio que não se locomovia mais com tanta facilidade, pelas dificuldades inerentes a ser cadeirante no Brasil.

Então ele viajou de Brasília, com o seu filho até a casa do tio em Santo André-SP.
O pegou de surpresa ao convidá-lo para rever a parentada ainda viva que mora no estado de SP: filhos, sobrinhos, netos e até os cunhados.
O colocou no seu carro e rodou mais de 1000 km, SP adentro, visitando com ele, cidade a cidade.
Imagino as dificuldades de acesso durante o trajeto, e como foram contornadas com uma alta dose de atitude-florezinhas-amarela, a atitude do amor gratuito.
Seja para levá-lo ao banheiro, entrar em restaurantes e locais para dormir sem acessibilidade, coisa comum por estas bandas.
Em cada parada, 70 quilos nos braços, pegos com o cuidado que pegamos nossos filhos no colo – até colocá-los na cadeira de rodas.
Em cada parada, um monte de recordações de família, abraços, festança e aconchego.
Que cena linda. Fiquei profundamente comovido com sua história. Com seu desapego. Com seu senso de urgência em oferecer ao outro – importante no seu viver, algo significativo diante de suas limitações.
Fiquei com aquela atitude-florezinhas-amarela no coração. Marcou-me.

Outro dia, vi o sofrimento de uma equipe ao se despedir de seu gerente, assassinado quando sacava dinheiro.

Um dos integrantes revelou o que dissera a Pastora, nos seu culto de sete dias, se é que existe isto.
Ela falou que nos momentos de prece, durante os cultos, ele sempre orava pedindo pela sua equipe de trabalho. Que Deus a guardasse e a protegesse de todo o mal.
Ao conhecer esta história, tive a exata noção do tamanho do luto que a sua equipe estava vivendo e do quanto devia estar sendo difícil para eles.
Mas a vida anda rara de atitudes-florezinhas-amarelas.

As pessoas estão se embrutecendo, competindo acirradamente umas com as outras, fechando-se e ensimesmando em cápsulas de sobrevivência.
Vez, por outras, sob as mesmas condições brotam pessoas-florezinhas-amarelas e alegram nossa jornada. Quem tiver uma por perto a cultive e guarde-a com carinho.

Ela é uma bênção e um estímulo para o nosso viver.

O compositor e cantor mineiro, Vander Lee, retratou muito bem a carência de atitudes de gratidão, bondade, valorização, ternura, perdão, amor, dos tempos atuais na sua bela canção, Onde Deus Possa Me Ouvir, veja:

“Sabe o que eu queria agora, meu bem”...? Sair chegar lá fora e encontrar alguém



Que não me dissesse nada. Não me perguntasse nada também.
Que me oferecesse um colo ou um ombro. Onde eu desaguasse todo desengano
Mas a vida anda louca. As pessoas andam tristes.
Meus amigos são amigos de ninguém.
Sabe o que eu mais quero agora, meu amor? Morar no interior do meu interior
Pra entender porque se agridem. Se empurram pro abismo
Se debatem, se combatem sem saber. 
Meu amor... Deixa-me chorar até cansar. Me leve pra qualquer lugar
Aonde Deus possa me ouvir. 
Minha dor... Eu não consigo compreender. Eu quero algo pra beber
Me deixe aqui pode sair.



Esta composição revela uma tendência em nossa sociedade: estamos mais conectados e mais sozinhos, nesta correria da sobrevivência.
Por isso, tão poucas atitudes-florezinhas-amarelas florescem pouco em nosso meio.

Se até as crianças na mais tenra idade já aprendem que precisam competir para vencerem, que não podem compartilhar seus brinquedos nas escolas, que batem nos outros para marcar seus territórios-tribais, que não sabem lidar com a frustração de nem sempre ter o que pede, pois acham que tudo gravita ao seu redor.

Estamos sedentos de paz.
Sedentos de atenção e ternura.
Sedentos de alguém que nos afague, proteja, incentive, ame e diga vez por outra, quando ficamos aflitos: “calma, é só um sangramentozinho, logo passará”.

Então, convido-lhe a cultivar no jardim de seu coração atitudes-florezinhas-amarelas.

A não esperar recebê-las para ofertá-las.
A dizer agora a quem tu amas o quanto esta pessoa é especial.
A visitar teus vizinhos e dar-lhes um mimo qualquer, para estreitar a relação.
A perdoar mágoas encanecidas.
A valorizar os membros de tua equipe e dizer-lhe, um a um, o quanto o trabalho deles contribui para o alcance dos resultados de tua gestão.
A oferecer bondade, generosidade, sem querer algo em troca.
A encontrar o seu “tio”, para surpreendê-lo com um gesto de amor qualquer.
Acho que o terreno para florezinhas amarelas é especial. Nele há menos ódio, menos rancor, menos sentimentos de vingança, poder e inveja. Mais flexibilidade, aceitação, reconhecimento, docilidade e respeito ao outro.

De minha parte, acho que ultimamente venho sendo uma violeta-velha-sem-flor.
Talvez por isso, marcou-me tanto as histórias do tio-cadeirante-viajante; e a do gerente-falecido-orante.
Elas sopraram uma brisa suave e fecunda nas minhas folhas-violetas-velhas, estimulando sua inflorescência.
Renovo, portanto, os votos de fazer minha parte com mais atitudes-florezinhas-amarela.
Enquanto digitava esta parte do texto, um vizinho que adquiriu um lote perto de minha asa parou no meu portão.
Queria saber como era por aqui, se era seguro, etc. e tal. Chamei-lhe para conhecer a casa, o jardim, minhas cadeiras de pneu.
No final, ofereci a ele e sua esposa, durante o período da construção, as instalações aqui de casa, para a guarda de algo mais valioso, para o uso de banheiros, ou tomarem água e até para uma prosa domingueira sobre o andar da obra.
Os olhos dos vizinhos ficaram com o mesmo dilatar dos meus, ao escutar as histórias que narro nesta crônica. Não esperavam esta atitude.
Que em mim já foi tão normal, e que hoje me causou surpresa.
Talvez, inspirado por esta crônica, agi assim e transmiti ao outro desconhecido uma generosidade gratuita.
Gostei de mim mais um pouco. Criei novos vínculos, que outrora criara com tanta facilidade.
Que bom! Há esperanças para meu vasinho de violeta-quase morto.
Posto o vídeo com esta bela canção, vale a escuta e reflexão.

3 comentários:

  1. Diz Vitor Frankl que só podemos ser realmente felizes servindo ao outro. São as atitudes florzinhas amarelas que nos levam ao estado de bem-estar que pode ser chamado de felicidade.

    Gostei. Bjs, Cecília

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    1. Isso mesmo, adorei a menção a Frankl, a quem admiro e foi minha formação em logoterapia.

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  2. Nao consigo me expressar com frases bonitas. Mas a minha admiracao pelo seu ser e bem maior que meras palavras.

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