Conecte-se ao que importa




Comprei um desses carregadores de celular para usar no carro, conectando-o ao acendedor de cigarros.
Fiquei impressionado com a quantidade de opções de conexão que ele tinha, umas dez.
Para todo tipo de celular, e até Ipad, Tablet e Notebook. Uma Brastemp.
Na prática, aquele monte de cabos dificultava minha vida. Meu celular só tem uma conexão possível, e até achar a que dava certo nele, na pressa de ligar o carro, era uma novela.
Aí tomei uma decisão radical. Cortar os cabos que me atrapalhavam.

Um a um fui cortando.

O povo do setor dizia: "Por quê?"

Eu ria.
E dizia: "Porque não me servem mais".
Outros diziam: "Mas se..."

Eu pensava: "Para que guardar algo só na expectativa de um dia vir a usar, se carregá-lo hoje me causa transtorno?"
Temos que ter coragem de cortar os cabos desnecessários em nosso viver.

Aqueles que não fazem mais sentido. Desapegar-nos de nossas tranqueiras emocionais.
E o pior, tem gente que tem um prazer danado em continuar com elas.
Uma coisa masoquista.
Mesmo que não façam mais nenhum sentido às suas vidas.
Conheci uma senhora que se separou há 15 anos. Ela fala da separação com tintas tão reais, tão nítidas, que parece que foi ontem.

Tem que cortar esse cabo.
Tá roubando energia dela.
Tem gente que conecta o cabo da ira, quando se vê já está no meio do trânsito com porrete em punho, pronto a agredir o motorista que lhe deu uma trancada.

Para que?


Tem horas que é preciso coragem para cortar o cabo de força. O cabo que te conectará a sentimentos não nobres.
Mesmo que possa soar ao mundo como covardia.
Desconecte-se de tudo que te faz mal.
Use a razão para isso.
Saia dessa posição de vítima das circunstancias, de ação e reação, e reaja diferente às intempéries da vida.

Têm pais que nunca perdoam os filhos. Que ainda possuem o cabo do desprezo em seus corações.
Têm cônjuges que nunca perdoam seu par.

Ficam com o cabo da ira, do ressentimento, do desamor um dia sofrido, pronto a espetá-lo no peito do outro, à qualquer crise que venha a sofrer.

Estão sempre pagando prestações de si mesmo.

Carregando dívidas emocionais.

Têm filhos que não desconectam os cabos da falta de atenção que receberam de seus pais.

Falam de suas infâncias desamorosas como se fosse ontem.

Corte esse cabo. Passou.

Têm casais que não se permitem renovar seu amor.

Vez por outra conectam o cabo do ciúme no coração e tome energia ruim na relação.

Nada que fará vai alterar a rota já vivida.

Mude a si mesmo, na forma como aquilo lhe atingiu.

Têm famílias que se matam mutuamente, anos a fio,

Rixas eternas, até que um deles corte o cabo da violência histórica que se estabeleceu, rompendo o círculo nada virtuoso de crimes pela “honra”.

Precisa-se de coragem para cortar alguns cabos emocionais que terminam em se afixar em nosso viver.


Tem que ter sabedoria, usar de fortes doses de razão.

De tão emaranhados que vamos ficando em nossos cabos tóxicos e emocionais, guardados para um dia vir a usar, sufocamos nosso crescimento.

Envenenamo-nos com nosso próprio guardar de coisas ruins.
Chego a dizer que tem que voltar a gostar de si mesmo.
Esses cabos nos dão uma falsa sensação de segurança, de fortaleza, mas na verdade, são frágeis.
Não se sustentam sem o ódio, sem a pobreza de espírito, sem a mediocridade de almas.

Tomei coragem e cortei coisas chatas que ficava remoendo.

Puxadas no tapete organizacional.

Ingratidões passageiras.
Besteiras que fiz vida afora, e que é tarde para voltar atrás e consertar as coisas.
As lembranças ativam a conexão dos cabos. Por isso é preciso trabalhá-las também.

Guarde as lembranças que lhes fazem bem.

Reprograme, recondicione seus comportamentos, sua ação e reação, diante das situações parecidas com as que já viveu.

Tem gente que carrega consigo o cabo da ira. Pronto a conectá-lo ao menor problema. Que tal cortá-lo também?

Tem gente que carrega consigo o cabo da vingança.

O do ódio.
O da inveja.
O do ciúme.
O do pessimismo.
O da ganância.

Tem gente escrava do cabo do consumo, da vaidade.

Com ele sempre conectado.

Precisa sempre tá se conectando à moda, à valores materiais, para se sentir bem.

Isso não vai dar certo.
Tem gente que perdeu um processo seletivo. E fica remoendo, remoendo, remoendo.
Fala daquilo, meses depois, como se fora ontem. Não conseguiu processar o luto. Aprender com ele. Dar a volta por cima, voltando a sentir emoções pesadas que um dia já sentiu.
Aliás, as emoções materializam presenças e trazem para bem perto, em lembranças, cenas já vividas.
Lembrar e trazer presente. Por isso ninguém morre totalmente.
Não sou sangue de barata.
Mas, depois de uns anos, vou me livrando dos cabos tóxicos que acumulei.
São cabos que tornam nossa jornada mais áspera. Mais dificultosa. Cabos que um dia podem até ter sido necessários, diante de algum um revés que sofremos, mas que hoje não fazem mais sentido.
Deixá-los em nosso coração, só pela segurança que nos dão caso algo aconteça novamente, será muito pernicioso. Será inibidor de nosso desenvolvimento.
Hoje conversei com um jovem que se sentia um lixo. Estava amargurado pela culpa. Sentia vergonha de si mesmo, culpa do que fez.
Mas, o que é a culpa?
A culpa é uma condenação que recebemos de nossa consciência.

Só sente culpa quem tem consciência.
Portanto, a culpa é a sentença do tribunal da vida que comparecemos.
A culpa é como um cheiro fétido de carniça em nosso viver. Por mais que a gente tome banho, se perfume, sempre estará por perto.
Após o julgamento da culpa, vem a sentença, a pena.
Cumprimos a pena da culpa em prisões emocionais que adentramos.
Ficaremos nelas encarcerados, até que consigamos expiá-la.
Contudo, expiar a culpa pede um tempo. Um tempo de processamento.
Não é do dia para a noite.
 

Dos cabos que vamos carregando vida afora, muitos que se colam em nosso ser; até nos darmos conta, a culpa é o mais difícil de cortar.

Cortamos de maneira até simples o sofrimento, a mágoa, a violência que sofremos.

Mas a culpa. Ah! a culpa...
Pense num cabo difícil de desconectar. De cortar.
Não tente cortá-la de uma vez só. Não vai funcionar. Ela ficará mais forte ainda.
Tente ir cortando-a aos poucos.
Se aceitando. Parando de se julgar novamente.
Parando de se autoflagelar, de se agredir.
Parando de dizer que você não tem valor. Que é um lixo.

Aceitando-se inclusive nas limitações, nas coisas não tão legais que fez, mas entendendo que não tem o dom de voltar às cenas de seu viver e vivê-las de um jeito diferente.
Passou. Vire a página. Conserte o que der para consertar.
Sempre ficarão danos e perdas. Paciência
Viver a vida toda olhando no retrovisor e se punindo não ajudará a cumprir sua pena emocional que você mesma se condenou.
Não ajudará em nada.
 

Olhar no retrovisor só para aprender com o que fez de errado e crescer como pessoa.

Olhar no retrovisor só para não repetir os erros velhos.

Não fique olhando para voltar a se condenar, pare com isso.

Sua sentença já saiu, você é culpado. Pronto.

O que fará com o resto da sua vida, após a sentença, é o que fará toda a diferença.

Pare de esperar uma resposta da vida. Dê uma resposta à vida.

Como cumprirá sua liberdade condicional será fundamental ao seu renascer.

Com a culpa a gente tenta aprender. Ver o que conseguimos fazer para minimizar os estragos que fizemos.

Tentar salvar algo.

Reduzir danos. Compensar, mudar procedimentos.

A culpa é pedagógica. A mais cruel de todas as pedagogas da vida.

Com a culpa, sempre haverá uma parte de nós mesmos que morreu junto dela.

Uma espécie de necrose da alma.
Um luto que gruda.
Nosso coração, de culpas e culpas, vai ficando cheio de sequelas. Sequelas da vida e do viver.
 

Mas, com o que restou ainda funciona.
E bem.

Lembre-se, você a partir de agora está em "construção".

Tijolo a tijolo, reerguendo sua estrutura emocional, reaprendendo a viver consigo mesma.

Agora é recolher os cacos, administrar o que restou e seguir em frente.

Quem não tem seus próprios cabos que jogue a primeira culpa. 

Toda dependência é mórbida. 

Até de amores. 
Nascemos com um único cabo, que depois se desconecta. Temos que saber desapegar do que nos faz mal. 
E seguir nossa trajetória. 
Sem nos colocar novamente em amarras reais ou imaginárias.

E, cuidado com cabos desnecessários já cortados, eles são como unhas, toda semana crescem.

Um comentário:

  1. Nossa, quantos cabos desnecessário vamos acumulando?!?! Que emaranhado de fios tecemos sem nos aperceber direito?!? E, que bom, que textos como esse nos "obrigam" à uma parada reflexiva para, quem sabe, nos reinventarmos?! Parabéns, sr. autor, por nos mostrar que ainda podemos, e devemos, seguir confiantes, sem os excessos de cabos que nos fazem mal!!!

    ResponderExcluir

Seu comentário é uma honra.

Crônicas Anteriores