Parar é preciso, viver não é preciso!

Fim de tarde, na rádio toa a Ave Maria de Bach/Gounod, choveu bastante. A natureza exala aromas de terra molhada. 
Tudo é silêncio, mas ao longe um som de um riacho que tomou água, muita água, irrompe impotente sua melodia de turbilhões.
Um casal de gavião dá vôos rasantes por sobre a relva úmida.
O sol se esvai mansamente.
Na confusão noite que enlaça o dia, no ocaso, pessoas silenciam.
ao lado uma pombinha contempla o horizonte.
Está só.
Que acontecera com seu par?
São aves que combinam a dois. Vê-las sozinhas é raridade.
Será que o gavião aprontou?

Faço conexão com ela.
Ao seu lado, de cima da varanda, também espero, esperançoso como toda espera, que seu avoante-par chegue.
Vez por outra ela olha para os lados.
Noutras, fita fixamente o horizonte á frente.
Está encharcada, foi muita chuva e acho que teve que sair ás pressas de seu ninho.
Ela contempla o infinito.
Parou, parou por uns bons 20 minutos.
Parar é preciso.
Restabelecer o ciclo da vida, fazer contato conosco mesmo, é o que pede o anoitecer.
Não, não é hora de adormecer nossos sonhos.
É hora de contemplá-los, mesmo a distancia, de aguardá-los numa espera ativa, numa espera que age.
Não, não e hora de adormecer.
A pombinha, serena e em paz, como todas de sua espécie, olha pra mim.
Que olhar manso, cheio de expressão.
A fito pelo zoom de minha câmera, mesmo assim fico petrificado com tamanha beleza daqueles pequenos olhos.
Como que a me dizer: obrigado por esperar comigo.
A noite cai, já a vejo com dificuldade.
Mas sei que ela ali está, velando seu amado, esperando-o.

Entre nós brota sentimentos de compaixão, de empatia, de entes que aprenderam a esperar.

Aprenderam que só espera quem ama, quem enebria-se com o vinho da vida, todos os dias, e sob todas as suas formas.

Boto uma música para nós.

Trago o notebook para a varanda e coloco de Rod Stewart Sailling 

http://www.youtube.com/watch?v=9Ooq7WPqd5s

Ouvimos juntos, sei que ela me escuta. Posso vê-la dançando nessa parte:

"I am flying, I am flying,
Like a bird across the sky
I am flying, passing high clouds
To be near you, to be free"

O labrador Balu sente nosso diálogo e aproxima-se pelo pomar. Late e balança o rabo.

Todos embalados pela noite e revirando-se em si mesmos antigas lembranças de quando tudo era tão mais simples.

Coloco outra música pára nós, ela diz assim: 

http://www.youtube.com/watch?v=qC6Gn-9bF1o

"Se avexe não
Se avexe não, amanhã pode acontecer tudo
Inclusive nada
Se avexe não
A lagarta rasteja até o dia
Em que cria asas
Se avexe não
Que a burrinha da felicidade
Nunca se atrasa
Se avexe não
Amanhã ela pára na porta
Da sua casa
Se avexe não
Toda caminhada começa
No primeiro passo
A natureza não tem pressa
Segue seu compasso
Inexoravelmente chega lá
Se avexe não
Observe quem vai subindo a ladeira
Seja princesa ou seja lavadeira
Pra ir mais alto vai ter que suar"

Um sentimento de paz e amorosidade nos preenche.
Rompendo a barreira das nuvens carregadas uma tímida estrela aparece, deve ser a dos navegantes, a Estela D'Alva (Vênus).
Olhamos juntos para o além e nos reconhecemos. Não, não é noite de adormercer os sonhos.
É noite de plantar sementes, noite de ninar corações, noite de se levar para passear, sentido o aroma das flores e folhas agradecidos pela chuva lavadora que receberam.
É noite de contemplar nossa jornada,  de acordar nossos sentimentos mais puros e olhar para o longe.
Aliás, "longe é um lugar que não existe" para os que se permitem amar.
Parar é preciso, viver não é preciso.  Parar e buscar o autoconhecimento.
Parar, permitir-se parar.
Sem nada agendado para daqui a uma hora.
Parar. 
Parar e ouvir sons que na maioria das vezes passam despercebidos.
Parar e meditar sobre nosso viver. 
Parar e agradecer, ao Deuses de todas as formas que nutrimos em nosso ser, agradecer até ao não-deus para os quem não o tem.

Desacelere. Desligue-se um pouco. Fique como esse avoante, num fim de tarde, contemplando.
Desacelere, esvazie-se, libere o tudo que mora em você, para que o nada faça-se presença trazendo novos tons, sons, cores e agires.
Desacelere. 
Gestos, palavras, comportamentos, rotinas e padrões de ação: desacelere-os.
Dê espaço para crescer sua paz interior. 
Elimine toxinas emocionais, tralhas sentimentais, mágoas encardidas.
Pare e sinta-se.
Toque-se.
Curta sua respiração, seu coração batendo, sensações de frio e calor.
Curta-se e compartilhe-se com a humanidade, revelando o que tem de melhor.
É preciso coragem para parar e se ouvir.
Estamos sempre cercados de tudo que nos tira da escuta de nós mesmos.
Talvez por medo. Ou falta de costume.
 Não há direito mais sagrado do que o parar.
Nem sempre possível, na frenética luta pela sobrevivência.
Contudo, ainda assim, há formas inovadoras de parar seu cérebro. Seus pensamentos. Para abrir-se ao que lhe rodeia, ou para sentir seus sons mais interiores, abafados por problemas e sua luta diária pela sobrevivência.
Quando paro contemplo o nada. 
Foco um instrumento tocado numa canção e o acompanho por toda a melodia.
E aí descanso de mim mesmo.
Relaxo.
Falar em parar nos tempos atuais parece uma utopia. É uma utopia.
Mas busque em algum momento do seu dia parar.
Desacelere.
Enquanto nos esvaziamos do barulho interior que emitimos, nos enchemos de outros sons de nosso coração, sons que sempre estão tocando, mas pelo nosso barulho interior, nunca os percebemos.
Sons que evocam vida, amorosidade, perdão e liberdade.
Sons que nos alimentam do que temos de melhor em nosso ser.
Sons que nos lembram que tudo passa, que somos pó, e que morríveis que somos não temos a ideia de quando partiremos.
Sons que pedem mudança, que nos denunciam, que nos incomodam.
Sons que pedem ação e renovação de nossos valores.
Para ouvi-los precisamos parar. E conectar nosso aparelho interior ao que temos de mais profundo, nossos sentimentos.
Parar é um ato de amor, de ousadia e coragem nos tempos atuais.
Adorei parar uns 30min com o avoante e Balu.
Repetirei com mais frequência. 
Agora miro na estrela bela e uno-me a todos os seres da humanidade,  nos rincões mais longínquos do planeta, que ainda param e olham as estrelas.
Nutro-me das estrelas, luas cheias, entardeceres, amanheceres, flores no cio, pássaros misteriosos, quando paro, e alimento meu interior, saindo das paradas melhor do que cheguei.
Não menos confuso, apenas melhor!

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