Os Sete Hábitos para a Infelicidade - A Ruminação Mental

"Aquela entrevista do processo seletivo acabou comigo. Não concordo com o feedback que recebi de que tenho pouca iniciativa. Tenho muita iniciativa. E, iniciativa quando, como? De que iniciativa eles falaram? Nem curso com o nome de iniciativa existe. E a iniciativa deles? E como eles sabem se não viram minha iniciativa".
[um mês depois] "A iniciativa deveria ser mais explícita. Como barrar um candidato com termos tão subjetivos como iniciativa?."

No exemplo acima, o colega sofre de ruminação mental, vejamos no dicionário o que significa Ruminação:
s.f. Ato ou efeito de ruminar, de submeter a segunda mastigação, após reconduzir o alimento do estômago à boca.
Fig. Reflexão demorada, persistente e cuidadosa. Os ruminantes têm quatro cavidades no estômago: pança ou rume, barrete, folhoso e coagulador. Apenas este último produz suco gástrico. No pasto, os ruminantes engolem as ervas apressadamente, quase sem mastigar, acumulando-as no rúmen (que, nos bovinos, pode conter até 200 litros). Depois, em repouso, fazem com que o alimento volte à boca em pequenas porções, que remastigam demoradamente e tornam a deglutir.

No estado de ruminação mental o cérebro entra em loop. Aquele pensamento que nos aflige fica recorrente. Nunca é processado. Sempre “volta à boca em pequenas porções, que remastigam demoradamente”
Fica-se remoendo, murmurando, com o disco arranhando.
Não se vira a página da dor, do sofrer.

Aquela sensação acompanha em tudo. Acorda, vem a cena. Dorme, ela tá ali.
Toma-se banho e no meio do chuveiro, vem o pensamento ruminante.
Até na hora do sexo a peste aparece.

O ruminante aluga os amigos ao contar-lhe a mesma cena de dor, e por uma centena de vezes. Cansa a todos. E, cada vez que revisita cena, a ressente, fica-se ressentido.

Tem ruminante que se separou há 15 anos e ainda fala da separação, dos seus motivos e sofreres, como se fosse ontem.
O pensamento ruim cola da psique qual chiclete, ou música da estação.
O ruminar mental é craque em perceber falhas. Perceber o que falta para a felicidade. Já que, no limite, o estado de ruminação teme a paz, o bem-estar, a felicidade, por medo de que esse momento venha a ser-lhe roubado.

Então, numa goza. Sempre está em alta rotação procurando coisas pra encher a cabeça delas, e, coisas ruins. Se ruminasse as coisas boas seria uma maravilha.
Mas só rumina sobre o que lhe deu errado.
Então, cria um mundo em que tudo está em falta, para nele habitar.
Na ruminação nada está bom o suficiente, vive-se na provisoriedade, tudo no ruminar foca no que falta. "A festa de natal foi boa, mas faltaram muitos”. "Essa praia é linda, mas o mar está sujo".  "Minha casa é própria, mas precisa de muitos consertos". "O casamento vai bem, mas poderia ser melhor". "O trabalho é bom, mas os colegas...". "A empresa é boa, se não fosse pelos clientes."

E por aí vai a ruminação. Outra forma de ruminação mental acontece quando algo não deu certo, ficamos martelando, processando, mastigando aquela emoção qual chiclete, ou um disco arranhado.
Ainda têm as mais cruéis das formas horríveis de ruminação: a inveja, mágoa, falta de amor próprio, culpa e ambição aumentando em muito os níveis de estresse e ansiedade para com o viver.  Repreenda pensamentos assim.
Vire as páginas de situações sobre as quais não terá mais nada a fazer, a não ser aceitá-las, ou conviver com as mesmas, mudando a si mesmo.
Identifique pensamentos recorrentes, repetidos e se liberte deles.

Conto-lhe uma pequena história: Um dia esperava meus filhos e pais na sombra de um coqueiro na praia do Bessa, em João Pessoa. Armei a churrasqueira, o isopor, estendi umas toalhas.
No local, havia uns equipamentos de malhação, feitas de forma rústica pelos nativos.
Enquanto esperava eles chegarem ouvia música e contemplava o mar. Eis que chegam ao local três marombados, fortões e me ameaçam. Dizem que sou farofeiro, que estou sujando a praia deles e o local que eles demarcaram para exercitarem-se.

Alego que deixo tudo mais limpo que encontrei e que estou esperando minha família, que não farei bagunça. Eles continuam as agressões agora dizendo que vão fumar maconha naquele local. Eu digo-lhes que nãome importo com a vida deles e que podemos muito bem dividir aquela área. Meu filho, com meus familiares, e logo sente o clima. Peço-lhe calma... aos poucos os marombados vão se acalmando, não sem antes soltar-nos olhares agressivos e provocativos.
Não entramos na deles. Sim, eles acedem vários cigarros de maconha que tapeamos minha mãe dizendo que são de cravo.  Aos poucos vão indo embora.
Passado o susto, divertimo-nos bastante, como nos velhos tempos farofeiros.

À noite, meu filho comenta a situação muito irado. No outro dia, no domingo, volta a comentar a situação, expressando nervosismo e tristeza pela impotência de não termos feito nada. Alega que temia até por mim, caso eles não tivessem chegasse a tempo.

Nesse momento intervi. Falei que os marombados continuavam em nossa família, agora nos nossos pensamentos ruminantes. Que era hora de deixarmos que eles fossem de fato embora. Que cada vez que trazíamos eles, em pensamento, tudo outra vez, ficando ressentidos.

E, o cérebro não distingue o real, o virtual, o imaginário, a fantasia: nas vivências perigosas: despejando uma profusão de hormônios do medo: adrenalina e cortisol. Por fim, falei que era hora de deixarmos aqueles jovens marombados “irem embora de nossas vidas”. Encerrando aquele assunto e virando a página. Pronto, acabou o tema marombando nas férias de veraneio.

E, não voltamos mais àquele local para fazer piquenique. Mudamos a nós mesmos, evitando futuras situações de conflito. E ainda conhecemos outros locais mais bacanas ainda, daquele que por comodidade de ser muito próximo de nossa casa, ficamos a ele preso como única opção. Fica a dica!

Releia a introdução desse artigo, aquela comparação dos pensamentos e emoções com as águas e o curso de um rio, respectivamente.

O modelo mental de um ruminante ao extremo só se alterará com muito esforço e paciência para consigo mesmo.

Ele foi moldado não em dias, mas em toda uma vida nas escolas das instituições que frequentou: família, estudos e trabalho.

Exigirá vontade, e, mais que vontade, coragem para deixar de ser quem é, e isso causa arrepios. Ser quem somos nos traz conforto.
Mudar, riscos. Riscos, medo. Medo, insegurança.

Convido-lhe à insegurança sobre si mesmo. Você e eu não estamos prontos,  e nem sempre certos sobre nosso modo de ser e agir no mundo.

Agora, se for um ruminante trainee, continue.
O ser humano precisa de certa dose de ruminação mental, até para aprender com elas e melhor processá-las.
Se tiver nenhuma ruminação estará doente também, será uma máquina racional.
Só tenha cuidado para não aumentar a dose, paulatinamente, a ponto de criar um hábito de comportamento perverso e incapacitante, no sentido do desenvolvimento do ser.
São nos extremos que moram o perigo dos hábitos da infelicidade. Pense nisto.

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