Cartas ao JG – Expresse Amor (Autor Ricardo de Faria Barros, pai do João Gabriel - JG, quase 8 anos)


Sabe filho, após a costumeira feira do domingo, cheguei em casa e desci para o pomar, com uma caneca de cappuccino. Precisava revisar uma palestra que darei, responder e-mails, preparar-me para um curso que farei, atualizar as sessões da clínica psicológica e de coaching, e escrever um texto para o IBMEC, sobre posturas que causam anemia ao crescimento profissional.
Ao descer, dirigi-me ao canil para soltar os cachorros. Notei que Duquesa se esforçou para chegar perto de mim.
Vi que algo estava estranho com ela.
Não senti seus pulos de alegria, sua costumeira babação, suas maluquices, e senti a tristeza em seu olhar.
Aflito, fiz carinho nela, botei água e comida, mas foi inútil.
Balu, meu cachorro labrador, ficou perto dela, montando guarda.
Comoveu-me a lambida que deu nela.
Mesmo doente, ela ainda se vira para mim, como que a pedir um dengo.
E fico aflito.
Ela deve ter comido algo que ofendeu. Caçadora que é, deve ter pego um animal peçonhento ou um rato. Vou esperar o dia de hoje. Caso não melhore, amanhã levarei no veterinário.
Seu olhar tão doce e triste é de arrebentar meu coração.
E nada mais é prioritário para mim. Aquela palestra que iria revisar. Aquele resto de material de dinâmica. Aquele texto que produziria. Aquela planta que iria adubar.
Tudo fica para depois quando aquela que amamos adoece.
Tudo.
Quando quem amamos sofre, o tempo e as prioridades se enlaçam em outras perspectivas e dimensões de sentido.
Nada mais é urgente ou importante, quando aquele que amamos aparenta estar adoecido.
Essa é a força do amor. Ele subverte razões, altera objetivos, molda o presente para além do antes planejado.
Olho para os olhos negros dela e é como se conversássemos.
Darei remédio para alergia e fígado. E o resto de meu cappuccino.
Não precisamos perder ninguém, por doença, para demostrar amor.
A pior coisa do mundo são os olhos opacos da indiferença, que nos levam a não mais valorizar as pessoas amadas, só porque elas estão ali pertinho, disponíveis, e como diz a canção: “fáceis demais”.
Os afagos dela que chegavam a me aborrecer, hoje fazem uma falta tremenda. A gula dela, roubando a comida de Balu, enquanto ela ainda se alimenta da dela, hoje me fazem uma falta danada. Não precisei ralhar com ela.
As corridas delas pelo gramado, hoje vazias estão.
De igual, só nossa encarada face a face, quase como quem brinca de ver quem pisca primeiro.
Sabe filho, nunca deixe de dizer à quem ama o quanto essa pessoa é importante em teu viver.
Não deixe seu amor criar mofo, fungos, cupim ou ficar envelhecido.
Dê o seu melhor em admiração, cuidado e ternura.
Dê seu melhor cappuccino, para os amados.
A rotina do dia a dia, as preocupações, e até a mesmice do cotidiano podem levá-lo ao piloto automático do amor.
E isso é horrível.
Então, amado filho, nunca deixe de ser criança ao amar. Sem medo de ser bobo, de ser puro, de se permitir, de abraçar, fungar, ninar, beijar, dengar...
E, não só para o amor a dois. Falo de toda forma de amar.
Toda forma de amar vale a pena, como diz a poesia. Amor entre amigos, amor entre pessoas que partilham a mesma causa.
Hoje na feira livre tive duas revelações, que seriam um prenuncio do que escrevo para ti.
Dona Valmira, a matriarca da pastelaria La Deyse, o meu escritório da feira de São Sebastião, quase morre de um acidente de trânsito. Escapou por pouco da batida, que seria em cheio e em alta velocidade. Ela contou-me com olhos marejados. Aí lembrei-me que não tenho foto recente dela, e a fraguei fazendo minha tapioca.
Sr. Darcy, o de barba na foto, teve um rompimento de um vaso no esôfago, e quase parte dessa para melhor, num intenso sangramento que teve.
Somos amigos, e já fui inclusive no sitio dele. Ele ia sair de meu viver sem eu dizer-lhe o quanto ele é legal.
Ela também.
E o quanto Valmira, Darcy, Maria e Francisco são importantes para mim, nas manhãs de feira livre, a cada domingo.
Não deixe de dizer às pessoas, com palavras e gestos, o quanto elas são importantes em teu viver.
Cultive a gratidão, expresse a gratidão.
Não permita ficar adormecer teu amor, não embruteça teu coração. E, nem faça disso um comércio. Só dando se receber. Tu é quem perderá nessa negociação.
Acredite!

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