Farinha de Andiroba, de Manaquiri-AM do Renan (Autor Ricardo de Faria Barros)

Aproximava-se o horário de atender a um de meus clientes e o whats apita, com mensagem nova, e é justamente a dele.
Imagino que não conseguirá chegar a tempo. Coisas do tipo.
A mensagem era enigmática: “Acesse seu email e leia minha mensagem, antes de nossa consulta!”
Estremeci...
O que será que aconteceu? Pensei comigo...

Abri o email dele, relaxei, soltei um sorriso lua cheia, e me deliciei com uma crônica que fez para mim.
É que incentivo meus pacientes (“clientes”) a escreverem narrativas positivas de suas vidas e trazerem para as sessões.
E essa fez-me encher os olhos, desde o primeiro parágrafo:

“Nas minhas viagens procuro reservar um tempinho para conhecer algumas pessoas que possam me ensinar um pouco sobre a realidade local. São conversas informais, normalmente são momentos extremamente divertidos e, por vezes, inusitados. Mas, sempre são aprendizagens maravilhosas. Meu aprendizado foi na feira livre de Manaquiri-AM”

Quem começa um texto assim, promete quem vem coisa boa. E ele continua:

“Às 6h em ponto, a feira é aberta, já com todos os produtos expostos e todos os produtores devidamente identificados com seus coletes verdes (o que rendeu o apelido de periquitos). A participação da população não deixa a desejar e, já nas primeiras horas, a procura por alguns itens é grande, fazendo-os esgotar rapidamente. Foi o aconteceu comigo. Esgotou-se a melhor farinha de puba da comunidade de Andiroba, a do Renan.”

Ele me conta que o mercado do produtor só tem 4 meses. Antes dele, os atravessadores dominavam o comércio de farinha, sujeitando os Renans da vida à exploração ao comprarem por preços irrisórios o fruto de seu trabalho.
Agora não. A prefeitura investiu na capacitação dos produtores, preparou um ginásio para receber a feira, e forneceu até a gasolina para que os mesmos subissem por longas horas as estradas de rio e pudessem chegar com suas mercadorias à “cidade grande”.
Me diz que não conseguiu comprar a farinha do Renan.
"Acabou logo".
E que ficou com sentimentos contraditórios: frustração e felicidade. “Frustração por não encontrar a farinha e felicidade por saber que, se há pouco tempo atrás aquele monte de produtores não tinha para quem vender sua produção, a iniciativa da prefeitura estava trazendo ganhos concretos para eles.”

Aí a mística se fez. Quando ele estava vindo embora para Brasília, sem a farinha do Renan, eis que ele aparece no hotel e o presenteia com 12 litros de farinha. E, ao entregar-lhe a farinha não deixou que ele pagasse: “
Leve minha farinha para Brasília. Diga que é a Farinha de Andiroba”, do Manaquiri-AM! A melhor farinha que eles vão comer! E, que um dia venham aqui conhecer a nossa feira do produtor.”
Eu estava ainda muito emocionado, quando meu cliente adentra a sala, com um pacote.
E me presenteia com a farinha do Renan, a do distrito de Andiroba, do Manaquiri-AM.
Aí, um filete de lágrimas escorreu e nos abraçamos. Nós sabemos o que aquela farinha representa. Aliás, todos que já sobrevivemos a situações difíceis saberemos.
Hoje, nessa noite chuvosa, comi mais um pouco dessa farinha e me senti tão bem.
Não é qualquer farinha.
É a farinha de quem saiu das mãos da opressão e que agora consegue um pouco de luz, no seu lugar ao sol da Nação Brasileira, tão desigual.
Não é qualquer farinha, é a farinha comercializada num espaço de líderes na gestão pública que reinventaram um modelo de negócios, possibilitando uma maior inclusão social, com geração e emprego e renda, contrapondo-se aos tubarões do capital.
Aqueles mesmos que financiam tantos políticos para manterem-se no poder.
É farinha revolucionária de um Brasil que pode dá certo.
Ela tem gosto da esperança!
Renan, não te conheço mas queria te dizer que está deliciosa. Que combinou bem com o peixe.
Sua perseverança, em não desistir de procurar suas melhoras, em romper com um modelo de escravidão e acreditar na força do coletivo, nos inspira. Nem todos subiram o rio para o mercado do produtor. Acomodaram-se a ganhar pouco, “mas na porta de casa”.
Você não. Você teve a ambição de ser mais, de procurar seu espaço, e o pagamento justo pelos frutos de seu trabalho. Você e seus amigos da Feira do Produtor nos motivam. A todos nós que porventura um dia nos sintamos vendidos, comprados, amordaçados, na mão de quem nos domina, seja economicamente, seja emocionalmente.

Precisamos subir nossos rios também, em busca de outros potenciais adormecidos, sempre que nos sentirmos pequenos diante de tanta dominação a que somos sujeitos, indo até a “ Feira do Produtor”, na qual com outros também peregrinos, poderemos nos juntar e nos sentirmos mais valorizados, reconhecidos e apreciados.
Não é qualquer farinha, é a farinha de quem com ela renasceu para a vida!
Sim, nós podemos também sair das garras de quem nos faz mal, humilha e nos desvaloriza!
Subamos os rios de nosso viver!
A gasolina não é a prefeitura quem pagará, quem pagará será nossa coragem, amor, determinação, disciplina, objetivos, sonhos, otimismo, esperança e valores!
Eita combustíveis potentes!

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