No meio do caminho, tinha uma pedra (Por Ricardo de Faria Barros)


Acordamos moídos com o passeio do dia anterior, na Chapada dos Veadeiros-GO, em busca da tão almejada Cachoeira do Segredo.
Então, optamos por um passeio mais próximo, o Encontro das Águas, dos rios São Miguel e Tocantinzinho.
O passeio foi 10, e chegamos ainda com disposição ao hotel, pelas 15hrs.
Eu ainda tinha gasolina para uns 150KM. Como sou ansioso com tanques de gasolina, perguntei ao pessoal do hotel se em São Jorge-GO, a 12 km de onde estava, tinha postos de abastecimento.
Não tem.
Então, juntei o útil ao agradável, e parti para conhecer Colinas do Sul-GO, avançando 20 KM por uma estrada à esquerda de onde estava hospedado. Lá tinha posto de abastecimento.
Em Colinas, descobri que eu estava na porta de entrada para os lagos da “Serra da Mesa” e que se tratam de belos mananciais.
Vi uma placa que dizia que o lago estava há 6 km. Então, aprumei o carro no sentido de Niquelândia, e parti. E nada de chegar a tal da entrada para os lagos.
Acho que acessei a estrada errada, só comigo, pensei!
Após rodar uns 40 KM, sob um sol incandescente, resolvi retornar para Colinas. Já era pelas 16hrs. Ainda tinha 50 KM de autonomia. Mas, já temia.
E, estava muito cansado.
 Em Colinas, fomos tomar sorvete. Ali, perguntei como chegar no acesso aos lagos. A mocinha toda prestativa logo foi me ensinando. “O Sr, vai por ali, dobra acolá, vira na praça, segue mais um pouco, e pega a estrada para lá por uns 8 km.”
Pensei, já vi esse filme!
Resoluto, parti em direção ao lago. E, novamente me perdi. O que dei de volta dentro de Colinas, daria para ir na lua e voltar. Coisa que quem ama sabe fazer. Não achei o acesso, nem parei para perguntar. Gosto de me perder e de me achar sozinho, mas neste dia me dei mal.
Chateado, agora pelas 17hrs, e só com 30 KM de autonomia, resolvi ir logo abastecer o carro e voltar pra “casa”.
No posto de gasolina, pergunto ao frentista sobre uma placa que vi na entrada da cidade, e que não dei muita atenção, uma vez que meu foco era chegar na Serra da Mesa, e que indicava uma tal de “Cachoeirinha”.
Ele me disse que eu estava há 300 metros delas. Era só virar a rua abaixo, e estacionar.
Como a tarde já estava perdida mesmo, e ainda restava luz do sol, resolvi arriscar mais uma vez. Agora de tanque cheio.
Dobrei a rua e estacionei. Desci uma ribanceira e vi o rio, aí caminhei sobre uma ponte-pinguela de madeira e avistei a prosaica cachoeirinha.
Linda, linda, linda. Mansa, generosa, boa pra fazer hidromassagem, boa para tomar banho.
Excitado, tirei a roupa e mergulhei.
Delícia!
Uma criança abordou o JG, e ambos foram brincar nos “escorregos” de pedra que davam dentro d´água.
Que lugarzinho legal. Um monte de bebuns já ia embora, deixando aquele local só para nós.
Mergulhei naquelas águas e descobri uma prainha de seixos, daqueles que ficam lisinhos, que vão perdendo as arestas, à medida que se chovam com outras pedras.
Guardei um para mim. Um bem bonito.
Até que minha vista pousou na água e dela vinha uma luz.
Uma luz branca. Havia uma pedra linda, ali, pertinho de mim.
Com certa dificuldade, mergulhei em seu encalço. Uma vez, duas vezes, até que consegui.
Era linda. Uma pedra branca, cheia de ângulos, cheia de detalhes. Não era como as pedras iguais e todas uniformes que acabara de achar. Só havia aquela pedra, com aquela conformação. Era única.
Uma pedra com identidade própria.
Em cada detalhe, dele emanava luz, pelos ângulos que as micro-paredes de rocha de seu exterior produziam.
As outras não mais emitiam luz. De tanto que bateram umas nas outras, perderam seus ângulos, que lhes dão profundeza, terceira dimensão, e que ajudam na reflexão da luz.
Uauu!!!
Uma pedra branquinha, como se fosse um amuleto, estava agora ali comigo. Larguei a outra, sem graça, homogênea, igual a todas as outras, e coloquei essa dentro de meu calção de mar, nas partes pudicas.
O sol ia se pondo, sobre o rio e cachoeirinha. Uma cena idílica, de rara beleza. Eu estava tão cansado, tão desanimado com a peregrinação que fizera.
E ali, pertinho de mim, a Cachoerinha de Colinas do Sul-GO, me deu vida, renovou meu ânimo, me refrescou, arejou meu ser.
Tão perto, tão longe. Posso não ter descoberto o caminho para os lagos da Serra da Mesa, mas descobri o caminho para a Cachoeirinha.
E, talvez só tenha descoberto esse caminho, por não ter achado o outro.
Percebem a riqueza?
Uma pedra branca única, formada por cristais que na lapidação natural de suas faces, produziu ângulos que deles se projeta luz.
Uma cachoeira urbana, sem o glamour das que se situam em trilhas preservadas, revela-se em toda sua completude, e com um charme impressionante.
Elevo meu coração a Deus e agradeço. Estava perdido, e me achei, e a vida estava tão próxima de mim.
E ela vai explodindo em mil tons, tons do entardecer do Centro-Oeste, tão indescritíveis de esplendor.
No hotel, contemplo melhor minha pedra. Vejo que nela existem uns sucos, esvermelhados, como se fossem veias, sangue.
E a amo mais ainda.
Queria ao seu lado pessoas pedra-branca-emissoras de luz-com-veias-e-sangue!
O mundo já tem pedras iguais por demais. Daquelas que colocadas numa bandeja, todas são uniformes, tipo os seixos que encontrei na prainha. Todos sem arestas, lisinhos, aplainados, e de única cor.
Não somos assim.
Temos que preservar nossas diferenças, nossa identidade e não se acostumar com o que nos torna e faz comum.
Temos que nutrir em nós a arte em ser e se sentir único. O que não nos fará melhor ou pior do que os outros, apenas preservará em nós a nossa essência.
Aquilo pelo qual acreditamos que vale a pena lutar.
Precisamos de pedras angulares em nosso viver. Uma pedra angular é uma pedra fundamental. Ela é utilizada no alicerce para ser assentada na esquina, entre duas paredes, num ângulo reto.
Pedras redondas dão péssimos alicerces.
Precisamos de cheiro de vida em nosso ser. E o cheiro da vida vem justamente das esculpidas, entalhando em nossa alma um jeito melhor de refletir a Luz.
Olho para minha pedra, vejo suas veias, vejo seus veios, evoco momentos bons que vivi. Daqueles em que procurava uma coisa, e acabei achando outra.
Daqueles em que me sentia perdido, e acabei me achando.
Daqueles que tudo estava tão perto, e eu procurava tão longe.
Daqueles nos quais quando eu preparava-me para desistir, para “voltar ao hotel” sem encontrar nada de bom, a vida aconteceu em mil tons e formas.
No meio de meu caminho, tinha uma pedra. E não era pedra de topada, de adoecer, de fazer infeliz.
Era pedra angular, daquelas de segurar a jornada, de curar as feridas, de eternizar infinitos, de alicerçar esperanças. .
Então, caro amigo e amiga, não desista de procurar seu lugar ao céu!
Não desista de subir seus pensamentos para tocar nas fronhas dos anjinhos.
Não desista de buscar o bom, o belo e o virtuoso.
Ele pode estar mais perto do que imagina.
Pode estar dentro de um abraço, daqueles de quebrar os ossos.
Pode estar na conquista dos filhos.
Pode estar no serviço ao próximo.
Pode estar na cumplicidade de juntos olharem par ao mesmo horizonte, ouvirem uma canção que fala de oceano, e nele mergulharem. Sem medo de serem felizes!
Bora lá amigo, ou amiga, não desista de procurar sua pedra de luz.
Sua cachoeira encantada.
“Tende bom ânimo”!
E, não esqueça, foram as cicatrizes da vida que esculpiram em ti os ângulos.
Que agora, por eles mesmos, tu emite luz!
E que luz!

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