Ouvindo a Vida (Autor Ricardo de Faria Barros)


Após arrumar tudo, para um evento que seria no dia seguinte, resolvi caminhar pelo Centro Histórico da charmosa Pirenópolis-GO, era perto das 22hrs. E o local fervia.
Na rua do lazer, sou disputado pelos garçons que anunciam os quitutes dos estabelecimentos, que ali se acotovelam enfileirados.
Tem comida para todos os gostos e estilos.
Os restaurantes se espremem entre si, colocando mesas nas calçadas e na própria rua que é fechada, como que fazendo um calçadão de concorrido de boa comilança.
Consegui me esquivar de um garçon-anuncio-ambulante, mais à frente driblei outro. Eu queria mesmo era caminhar, sentir o cheiro e sabor de gente e voltar para a pousada.
“Não, obrigado eu já jantei, só estou caminhando e apreciando a cidade...”.
Era como ia me sarfando dos convites, com cardápios em punho.
Até que uma garçonete, uma jovenzinha de uns 20 anos, ao ouvir minha costumeira “saída pela esquerda”, sorriu para mim e me disse: “Então sente aqui nessa mesa na calçada, essa bem próxima de mim, só pelo prazer da companhia, e daqui aprecie a cidade. Não precisa pedir nada, nem comer nada...”
Uauuuu!!!
Não, caros amigos (as), não havia qualquer outra conotação nesse convite, antecipo-me em dizer-lhes.
Era apenas de uma generosidade encantadora, vindo de uma alma perfumada.
Sentei e fiquei observando-a com os demais transeuntes. Para todos, o mesmo sorriso, o mesmo convite para dali, daquela vista privilegiada, apreciarem à vida.
Logo ela conseguiu que mais uma mesa ao meu lado fosse ocupada.
E, naquela mesa tinha outra alma perfumada.
Perguntou-lhe o nome. “Me chamo Deia”.
Fiquei com vergonha, eu ainda não tinha perguntando o nome dela. Ansioso com as preocupações do evento, desconectei-me do que realmente importa: o outro.
Logo a Deia chegou com os quitutes, e tome mais perguntas para ela, sobre a região, sobre os atrativos, a Deia sorria. Sentia-se agora mais que uma garçonete, sentia-se uma guia turística.
Eu pegava carona nas dicas, pela proximidade das mesas. Era impossível não ouvir a Deia falando-lhes.
Perto das 24hrs, eles pedem a conta. Aí a Deia diz-lhes que vai agilizar a conta e rapidinho volta.
A Alma-perfumada-cliente pergunta:
“Mas, por que tu quer que a gente vá embora logo?”
Deia, ficou visivelmente nervosa e disse-lhe: “Não quero não!”
A cliente caiu na gargalhada, e disse que estava brincando, e que era uma forma de dizer que o atendimento dela estava tão bom que ficaria muito tempo ali, esperando a conta.
Nessa hora, meus olhos de psicólogo, sentiram os olhos da Deia chorarem mansinho, um choro bom, libertador.
A Deia agradeceu o elogio, e disse que era seu primeiro dia naquele restaurante. E que no dia seguinte, seria seu aniversário, e que aquilo que ouviu foi o melhor presente que recebeu.
A cliente-alma-perfumada disse-lhe que não podiam ir mais embora. Que ela reabrisse a conta e que trouxesse para mesa um espumante e 5 copos. Saquei logo, eles eram em quatro.
E fiquei na torcida, quase indo para mesa deles. Eu queria viver aquilo com eles, se era o que eu estava pensando.
Contive-me!
Enquanto a Deia dirigia-se ao bar, a “Alma-perfumada-cliente”, levanta-se da mesa e segue em direção à uma moça e rapaz que cantavam na área externa, animando mais de um restaurante do local.
Ela cochicha algo no ouvido da moça. A moça sorri, e faz um “legal” com o polegar.
A Deia chega com o champanhe. Todos na mesa se levantam, arrodeiam a Deia, não deixando ela voltar para o bar.
A Cliente-alma-perfumada, sai da roda e segue até os músicos. Pega o microfone e anuncia já passa da meia noite, e que “hoje é o aniversário da garçonete Deia”, pedindo que todos, inclusive os músicos, ajudem a tirar um parabéns.
E algo fenomenal ocorre. Aqueles cem metros de clientes barulhentos, e em seus próprios mundos, foram mobilizados por aquela alma-perfumada, e, foram tocados por aquele convite, param o que estão fazendo, erguem-se e cantam o parabéns para a Deia.
 Todos cantam, inclusive de restaurantes vizinhos, inclusive eu, que canto chorando de feliz.
O coral é de tanta empolgação e tão profundo, que mais parece canto de igreja, ou de hino de time de futebol.
A Deia corre para abraçar a Cliente-alma-perfumada, e elas voltam juntinhas do tablado musical, para a mesa que estavam os outros 3 amigos. Ao chegarem, eles colocam uma taça de espumante para a Deia, e fazem um brinde à vida dela.
O dono do restaurante se aproxima para ver o que ocorre. E a mesa faz um enorme elogio a forma como foram abordados e atendidos, pela Deia.
Ele acolhe o reconhecimento, e volta rapidamente para o seu lugar de gerente, sem fazer ideia do que ocorreu ali, e do talento que tem na equipe. Como muitos gestores não têm.
 A Deia se aproxima deles, e diz: “Hoje vocês fizeram a diferença na minha vida, eu lutei tanto para trabalhar aqui, tive que ralar demais, muito obrigado”.
Eu chamo a garçonete Deia, ela ainda está visivelmente emocionada, digo-lhe:
“Deia, hoje você fez a diferença no meu viver, muito obrigado, e parabéns.”
E peço-lhe a minha conta. Não sem antes soltar uma frase bem alta, quase gritada para ela: “Traz a conta bem devagarinho...”
A Cliente-Alma-Perfumada, ao ouvir-me, sorriu para mim, quase piscando o olho.
Um sorriso de cumplicidade.
Daqueles daqueles de oceano, de lua cheia, de borboletas azuis, de brisa aracatis, um sorriso de quem sabe fazer a diferença na vida das pessoas, por onde passa.
Uma trabalhadora que ama seu trabalho, depositando nele sua essência, seu melhor ser no mundo, seu toque de fazer o igual e sem brilho, quase rotina, de uma forma diferente, quase surpreendente.
Uma cliente que valoriza quem lhe serve, vendo esta pessoa em toda sua humanidade, para além do crachá, farda ou coisa que sirva para nos classificar.
E um reino encantado de possibilidades se fez, em um céu descortinou-se em nossas vidas.
Precisamos de mais Deias e mais Clientes-Almas-Perfumadas no mundo. Ah se precisamos!

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Seu comentário é uma honra.

Crônicas Anteriores