Capitão do Mato


Ao lado de um campinho, no condomínio Ouro Vermelho-DF, onde o meu pequeno João Gabriel (5) treina futebol, há uma pequena mata de Cerrado. Ela foi preservada por visionários, e sei o quanto deve ser vista com olhos tortos por urbanóides que adoram pavimentar tudo, até a si mesmos, na alegação de que "folhas sujam o chão".
Em quantas Assembleias devem ter proposto tornarem aquela área mais "útil".
Conheci um de seus preservadores, o sr Marcio Landes Claussen .
Tornamo-nos amigos. Ele me contava com júbilo que tinham contratado os trabalhos de uma empresa júnior da UNB que faria o inventário do patrimônio natural da mata.
Hoje enchi o oração de alegria. As árvores foram identificadas, sinalizadas e agora viraram atração turística.
Agora elas têm nome.
E que diversidade. Num quadrado de mata de uns 200 metros de largura, podemos encontrar uns 40 tipos diferentes de árvores.
Faz gosto passear por entre elas.
Árvores que para mim não tinha formosura alguma, eram apenas um pau retorcido em busca de um infinito, agora tem um nome: Capitão do Mato.
Impossível passa ao seu lado e não reverenciá-lo. Afinal, como passar ao lado de um capitão da floresta sem prestar continência?
Hoje sai de plaquinha à plaquinha me apresentando às espécies.
Agora elas têm um nome para mim.
Como o nome faz a diferença. Agora, vendo-as ao longe, deixam de ser simples resto de mata. Agora elas são individualidades.
Cada qual com sua cultura, seu uso, suas manhãs e jeito de ser.
Em comum, a sobrevivência.
Talvez nem os moradores do local tenham a real noção do que estão deixando para os nossos netos, em termos de acesso à bio-diversidade.
A importância e aventura de adentrar-se pela mata, em suas trilhas de terra batida, e levar os filhos para serem apresentados aos espécimes que ali residem.
Recuperar a identidade das pessoas, é dar a elas mesmas autonomia, dignidade e respeito; tal qual sr.Marcio e outros abnegados fizeram com estas árvores esquecidas num fundo de moradia.
Quantas pessoas passam pela nossa vida assim: sem placas que as revelem em sua integridade e completude.
Perderam-se de si mesmas, de sua personalidade e mundo de valores: tornaram-se igual a uma árvore de eucalipto,numa floresta de eucalipto: iguais.
Perderam a diferença que enriquece, sua cultura que enobrece. Tudo deixaram ficar homogeneizado.
Viraram um coletivo de gente que ouve a mesma coisa, pensa do mesmo jeito, vestem-se igual,e até a cor do carro se assemelha. Sem nunca permitir-se ampliar os horizontes de si mesmo, e crescer com outras percepções da realidade.
Saiamos por aí pregando tabuletas com nomes, nas pessoas com as quais cruzemos. Pessoas esquecidas, num canto de mata de nossos corações, aquelas mesmas que passam pelo nosso viver e nem sequer sabemos quem são.
Não são mais uma: elas têm nome, sonhos, desejos, fantasias, história.
Abençoado Bioma do Cerrado, tão maltratado e em extinção, e que nos ensina que há sabedoria nas diferenças, e que para além de troncos retorcidos, disformes, sem beleza a olhos modernos, que ao longe sãovistos como uma coisa só: existe um monte de diferenças enriquecedoras, identidades próprias e individualidades Há histórias de vida, e até um nome científico: Terminalia Argen-
tea na minha Capitão do Mato.
Que ela nunca seja tida por terminal, sucumbindo aos interesses de cupins econômicos.

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