Galhos Secos


Hoje passei pela avenida L4 Norte (Brasília-DF), ali próximo à Universidade dos Correios, e entristeci meu coração, não me contendo em lágrimas interiores. Aquelas piores de verter, as que marejam nossa alma.
Acontece que há uns cinco anos admirava uma árvore majestosa, que sozinha desafiava a dimensão espaço x tempo, ao perfilar sua beleza no Cerrado.
Trata-se da árvore da foto.
Arrodeada por gramas verdejantes, ela ali reinava só em forma de galhos secos.
Até imaginava gnomos, duendes e fadas habitando em seus retorcidos galhos, caule e raízes.
Imaginava quantos pássaros cansados faziam ninhos em seus vigorosos galhos.
Por anos a contemplei como morta, visto que dela não brotava nenhuma folha, flor ou fruto, em nenhuma estação do ano.
Pensava comigo: teria sido o fogo quem a matara: Ou um raio? Houvera sido o próprio tempo? Ou alguma doença, pragas ou veneno que a atacara?
Com o tempo, contudo, fui percebendo que ela não morrera. Estava viva. Só não tinha folhas, flores, frutos. Ela era viva para um monte de microrganismos que nela faziam morada.
Sua presença desafiava a imensidão do espaço vazio, e, com ele, harmonizava-se numa dança esplendorosamente bela.
Bela árvore seca.
Quanta história teria vivido, desde a construção de Brasília.
De quantos arados escapara? De quantas correntes de tratores perversos? De quantos paisagistas modernosos escapara do corte?
Tempos atrás notei que plantaram uma tenra muda aos seus pés.
Fiquei feliz. Agora ela teria companhia.
Uma apoiaria a outra.
Imagino que a pequena árvore em dias de ventania teria em quem se segurar. E que o verde daquelas folhinhas, em crescimento, iria renovar a própria existência da árvore seca.
Mas, eis que hoje “entristeci meu coração, não me contendo em lágrimas interiores. Aquelas piores de verter, as que marejam nossa alma”.
Cortaram nossa árvore. Naquele imenso descampado ela não fazia mal
a ninguém. Não iria cair em cima de caso algum, não atrapalhava o trânsito, não estragava as novas mudas.
Ela estava ali quietinha, sem fazer nada que justificasse sua derrubada.
Por que alguém se sentiu atingido por ela, a ponto de praticar ato tão severo?
O que aqueles galhos secos e retorcidos causavam de incômodo?
Quem não viu a beleza contida em suas expressões de apelo ao infinito?
Nessa ânsia de modernizar espaços, de pavimentar tudo, de procurar uma beleza esteticamente vendável vai pulverizando histórias, culturas e nossas cercanias sociais.
Há beleza numa árvore seca.
Há beleza nos idosos, mesmo que após terem dado frutos foram esquecidos num canto de coração qualquer.
Há beleza nos pobres, feios, desengonçados, humildes de coração, simples de atitudes, nas pessoas que estão “por fora” dos ditames da moda, ou da aparência socialmente vendável, veiculada na última novela das 9.
Há dignidade em seres disformes, marginais, tidos como escória humana. Não contemplados nas decisões de governo, esquecidos de tudo, quando não se está em campanha.
Quantas árvores secas frondosas e belas, em forma de pessoas, existem em teu ecossistema social?
Pessoas esquecidas, invisíveis, que só precisam de um outro olhar sob suas vidas.
Pessoas que vão ficando órfãs do destino, que não mais recebem cuidados, atenção, respeito, ou doses mínimas de afeto.
E que são vistas como descartáveis, sendo vítimas das nossas foices emocionais de cada dia.
Quantas vezes subi as calçadas para contemplar aquela minha árvore, para melhor fotografá-la?
Vai amiga árvore, e obrigado pela dolorosa lição que me dá.
Que eu nunca tire de minha vida quem um dia esteve verde, com flores e frutos, só porque não apresenta mais esse tipo de serventia para mim.
Só porque envelheceu.
Amém!

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