São João


Em Brasília, ipês roxos de florada precoce começam a cantar para primavera que espera ali na esquina de setembro.
Ao longe, enquanto teclo na varanda esperando a lua cheia debutar, escuto acordes de uma sanfona dolente. Por aqui em cada colégio, igreja, empresa, e, em muitas famílias, começa a temporada das festas juninas.
São festas de intenso simbolismo cultural.
Acredito existir algo de místico e comunitário nos festejos juninos.
Ativam nossa dimensão sócio-espiritual.
Vamos ficando velhos e vendo a vida com outros prismas, vendo o que antes não víamos.
Já reparou na alegria das bandeirinhas de São João?
Já parou para vê-las balançando ao sabor do vento? Todas fixadas num mastro central, formando um telhado aberto, mas nos abrigando sob ele em cores ao vento.
Embaixo dele, não há vazio ou medo. As bandeirinhas acolhem a todos, com sua simplicidade e mansidão.
Você nunca vai ver a casa de alguém de coração fechado enfeitada com bandeirinhas de São João.
Quem abre sua casa, para as festas de São João, tem no coração as bandeirinhas coloridas acenando para todos e dizendo que viver vale a pena e que todos são bem-vindo ao seu lar.
Depois das bandeirinhas têm as comidas de milho. Comidas de milho pedem coração generoso de quem as faz.
Você não compra milho para fazer uma única pamonha. Você compra uma mão de milho (50 espigas) e faz com ela pamonhas e canjicas para você e seus amados.
Quando em minha casa ralava-se o milho uma energia espiritual contagiava a todos.
Depois de bandeirinhas e de comida grata e generosa, você já viu a beleza de um trio de forró pé de serra?
Três instrumentos: triângulo, sanfona e zabumba.
Um constrói a harmonia, a sanfona.
O outro dita a cadência, a zabumba.
O último deles, tempera o ritmo, o triângulo.
A conversa entre os instrumentos é puro Jazz.
Já as letras, falam de vida, de lamentos, de amores, de conquistas, de partidas, de saudades, da natureza, das coisas boas e dos momentos que num instante eternizam uma vida.
Por último, as danças. A quadrilha que se dança em grupo. De marcação simples, até crianças aprendem fácil: “olha a chuva...”.
Que ensina a arte do bem viver: saber o momento de avançar e o de recuar: Anarriê (todos para trás), e o Alavantú (todos para frente).
Dança coletiva que todos saem melhor ao seu término, do que quando nelas iniciaram.
De origem francesa, nós brasileiros demos a ela um toque só nosso. Nem precisa dançar, só ver uma quadrilha tradicional já encanta corações. Depois, no capítulo das danças, tem o forró. Dancinha pra dançar junto, pra sentir a pegada do outro, pra remexer sentindo o corpo envolvente. No forró, exercita-se a harmonia, a cadência e o tempero do outro. Tal qual os instrumentos do pé de serra.
Uma dança envolvente e que se mistura, como numa amálgama, à música que toca.
Vestidos de xiita colorido balançam em saias rodadas. Caipiras de todos os naipes, esmeram-se em galanteios para o cortejo do enlace.
“Olha pro céu meu amor,vê como ele está lindo.”
Com essa música , de Luiz Gonzaga, abre-se o São João de minha cidade, Campina Grande-PB.
Quanta sabedoria nesse convite.
Como precisamos olhar para o Céu, e contemplar as belezas que nos rodeiam no primas das coisas do alto.
Que a preocupações, aflições e ansiedade vai turvando a vista e impossibilitando de vê-las.
Vou correndo ali comprar papel de seda colorido, fazer umas bandeirinhas, e colocá-las em meu viver. É junho. E junho é um mês que convida ao aquecer corações, ao juntar de sentimentos e ao evocar de emoções boas, belas e virtuosas, tal qual essa mesa farta de São João, de uma das vezes que fui na casa de meus pais.

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