Paredes de Vidros Etéreas


Acordamos cedo para conhecer o Instituto Inhotim, que fica a 60 km de Beagá.
No caminho um trânsito pesado, passado por Betim, Contagem sempre seguindo no sentido SP. Quando eu já estava a ponto de desistir, achando-me perdido, vi um painel indicando que eu estava na rota correta. Agora seriam mais 20 km até Brumadinho, cidade na qual o maior centro de arte ao ar livre da América Latina situa-se. Recomendo demais.
Além de ser um jardim botânico da mata atlântica, belíssimo. Aliás, com árvores de tirar o fôlego.
Visitando uma de suas 14 instalações, que perfazem mais de 150 obras de arte, conheci a sala do espelho vazio.
Muito passam por ela apressados, não conseguem ver.
Ela situa-se na saída, de um das 14 estruturas de exposição.
Parei e a contemplei. Não sem antes pagar o mico, ao som de risos discretos das guias. Tateei a parede com cuidado, achando que era um vidro, ou até um espelho que dividia a parede.
Não era. Era o vazio. Minha mão penetrou naquele mundo, tomei coragem e entrei também.
O artista construiu a sala com variações de cores nas paredes, e um jogo de iluminação. Assim, ao adentrar no recinto, tem-se a falsa impressão de que o além é um espelho, ou um vidro translúcido, daqueles que danamos a cabeça nele ao passar desavisados, tipo vidros de varandas.
Fiquei processando aquela vivência tão forte até hoje, e, como ela tirou meu sono, tenho que escrever sobre.
Quanto do que você acha que ver é verdade? Quanto é ilusão? Quanto é distorção? Real ou imaginária...
Quantas prisões de vidros estão ali à sua frente, sendo fruto de sua percepção, não existindo de fato.
Contudo, só desfazendo-se quando você perde o medo e com uma súbita coragem a toca, com o toque da realidade, adentrando nela de corpo e alma.
Aí, como que numa mágica o novo se faz, e o que antes era distância, isolamento, torna-se ponte, encontro, caminhos.
Quanto do que incomoda você, incomoda por não se permitir a vê-lo com um outro olhar?
Ao só ver dentro de sua própria prumada de observação, de seu fechado e irrepreensível visão do mundo, do outro e de si mesmo.
A arte da convivência, passa pela a arte da "empatiência", que seria uma fusão de empatia com paciência.
Basta que o outro seja diferente aos nossos padrões que já o isolamos num porão de nossas emoções.
Quanto do que você acha que ver é verdade? Quanto é ilusão? Quanto é distorção? Real ou imaginária...
Quantas divisórias são de vidro falso, produzidas por jogos de luzes e cores, que te afastam de ti mesmo, do outro e da realidade?
Aprendi com Inhontim, naquele quarto da divisória de vidro vazia, exposição, de que se coloca o pensamento cria-se forma.
Qual a natureza da minha luz? Qual as cores com as quais olho a vida?
Que tipo de distorções emocionais, comportamentais, podem está provocando?
Será que não estou amedrontado demais, pequeno demais, rastejante demais, para uma realidade, muito dela, construída em meu ser, falsa e estranha, fruto do cansaço, medo e aflição.
Tal qual aquela minha reação de receio ao dirigir-me quarto adentro, com medo de levar uma cabeçada no vidro, que não estava ali.
Cuidado com as formas que seu pensamento enclausura em si mesmo.
Formas que aprisionam, ou libertam.
Que aproximam, ou afastam.
Que unem, ou dividem.
Que criam pontes, ou abismos.
Onde botamos as luzes, as cores de nosso viver, aquilo crescerá.
Bote luz e cor no bom, belo e virtuoso que a vida abrirá caminhos, caminhos mais sábios e serenos.
Até da aceitação, ou melhor convivência flexível, com aquilo que lhe estranha, ou não pode mudar por decreto.

P.S Inhotim é surpreendente. Já estive lá uma dezena de vezes e sempre descubro novos ângulos e novos olhares. Esta instalação (sala do espelho vazio), do artista Marcius Galan, que simula vidro inexistente e cria ilusão de ótica ao usar elementos básicos como cor e luz, é impactante. A mim, possibilitou-me reflexão sobre a relatividade da verdade.   Nota da Maizé. Amiga de BH.

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